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Sobre o uso de práticas exteriores de cultos nos grupos

Frequentes vezes me tem sido indagado se é útil começar as sessões com preces e atos exte­riores de culto religioso. A resposta não é apenas minha, mas também dos Espíritos que trataram des­se assunto.

É, sem dúvida, não apenas útil, porém neces­sário rogar, através de uma invocação especial, por uma espécie de prece, o concurso dos bons Espíritos. Essa prática predispõe ao recolhimento, con­dição especial a toda reunião séria. O mesmo não se dá quanto às práticas exteriores de culto, através das quais certos grupos creem dever abrir suas sessões e que têm mais de um inconveniente, apesar da boa intenção com que são sugeridas.

Tudo nas reuniões espíritas deve se passar re­ligiosamente, isto é, com gravidade, respeito e re­colhimento. Mas é preciso não esquecer que o Espiritismo se dirige a todos os cultos. Por conse­guinte ele não deve adotar as formalidades de ne­nhum em particular. Seus inimigos já foram muito longe, tentando apresentá-lo como uma seita no­va, buscando um pretexto para combatê-lo. É pre­ciso, pois, não fortalecer essa opinião pelo empre­go de rituais dos quais não deixariam de tirar par­tido, para dizer que as assembleias espíritas são reuniões de protestantes, de cismáticos, etc. Seria uma leviandade supor que essas fórmulas são de natureza a acomodar certos antagonistas. O Espiri­tismo, chamando a si os homens de todas as cren­ças, para uni-Ios sob a bandeira da caridade e da fra­ternidade, habituando-os a se olharem como irmãos, qualquer que seja sua maneira de adorar a Deus, não deve melindrar as convicções de ninguém pe­lo emprego de sinais exteriores de qualquer culto.

São poucas as reuniões espíritas, por menores que sejam os grupos, que, sobretudo na França, não tenham membros ou assistentes pertencentes a di­ferentes religiões. Se o Espiritismo se colocasse abertamente na área de uma delas, afastaria as ou­tras. Ora, como há espíritas em todas, assistiríamos à formação de grupos católicos, judeus, ou protestantes, assim perpetuando o antagonismo re­ligioso que o Espiritismo tende a abolir.

Esta é, também, a razão pela qual de­ve-se abster, nas reuniões, de discutir dogmas particulares, o que, necessariamente, melindraria cer­tas consciências. As questões morais, entretanto, são de todas as religiões e de todos os países. O Espiritismo é um terreno neutro sobre o qual todas as opiniões religiosas se podem encontrar e dar-se as mãos. Ora, a desunião poderia nascer da con­trovérsia. Não esqueçais de que a desunião é um dos meios através dos quais os inimigos do Espi­ritismo buscam atacá-lo. É com esse fim que eles induzem certos grupos a se ocuparem de questões irritantes ou comprometedoras, sob o pretexto as­tucioso de que não se deve colocar a luz sob o al­queire. Não vos deixeis prender nessa armadilha! Sejam os dirigentes de grupos firmes na recusa de todas as sugestões deste gênero, se não quiserem passar por cúmplices dessas maquinações.

O emprego dos aparatos exteriores do culto teria idêntico resultado: uma cisão entre os adep­tos. Uns terminariam por achar que não são devi­damente empregados, outros, pelo contrário, que o são em excesso. Para evitar esse inconveniente, tão grave, aconselhamos a abstenção de qualquer prece litúrgica, sem exceção mesmo da Oração Do­minical por mais bela que seja. Como, para fa­zer parte de um grupo espírita, não se exige que ninguém abjure sua religião, permita-se que cada um faça a seu bel prazer e mentalmente, a prece que julgar a propósito. O importante é que não ha­ja nada de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial. O mesmo se pode dizer com relação ao sinal da cruz, ao hábito de se colocar de joelhos, etc… Sem esta linha de conduta neutra, não se pode impedir, por exemplo, que um muçulmano, integran­te de um grupo espírita, se prosterne e coloque a face contra a terra, recitando em voz alta sua fór­mula sacramental: “Só há um Deus e Máomé é o seu profeta!”

O inconveniente não existe quando as preces feitas em intenção de qualquer pessoa, são inde­pendentes de todo e qualquer culto particular. Di­to tudo isso, creio supérfluo salientar o quanto ha­veria de ridículo em fazer-se toda uma assistência repetir em coro uma prece ou fórmula qualquer, co­mo alguém me afirmou já ter visto ser praticado.

Deve ficar bem entendido que o que acaba de ser dito não se aplica senão aos grupos e socieda­des, constituídos de pessoas estranhas umas às ou­tras, porém nunca às reuniões íntimas de família, nas quais, naturalmente, cada pessoa é livre de agir como bem entender, uma vez que, em tal ambiente, não se corre o risco de melindrar a ninguém.

(Viagem Espírita em 1862 – Instruções particulares dadas aos grupos em resposta a algumas das questões propostas, XI)