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O culto do Evangelho no Lar

O culto do evangelho no lar é uma prática consagrada pelo Espiritismo à moda brasileira. Indicado como algo que traz benefícios a quem realiza, tornou-se amplamente difundido e encontra-se como item de grande importância dentro do pacote das terapias espirituais. No entanto, pelo que o Espiritismo significa, essa prática deveria ser mais um estudo que um culto, isso se pensarmos a doutrina espírita como Kardec nos apresenta em suas obras.

Quem quer que tenha acesso a esse livro precisa compreender com qual objetivo ele foi escrito, coisa que Kardec sempre deixou bem claro: O Espiritismo não institui nenhuma nova moral; apenas facilita aos homens a inteligência e a prática da do Cristo (1). 

É no Evangelho segundo o Espiritismo que a filosofia espírita tem sua razão de ser, pelas reflexões que produz, os indivíduos são chamados à transformação moral a partir do estudo das próprias imperfeições a fim de se melhorarem. Se o Espiritismo não levar a isso, torna-se um passatempo, algo pra se comentar, um adorno intelectual, letra morta. E não se chega a esse objetivo por um passe de mágica ou um passe espírita, é preciso esforço. Sim, é difícil. Fácil, extremamente fácil, já dizia o poeta, é se vestir de branco, só ouvir música instrumental, compartilhar belas mensagens, citar passagens do seu livro sagrado favorito (tipo a bíblia), fazer cara de paz-e-luz.

A reunião em torno do Evangelho segundo o Espiritismo poderia ser melhor aproveitada no sentido da transformação do ser, se fosse encarada como oportunidade de estudo moral, no qual as leituras feitas, permitem o indivíduo pensar a respeito dos próprios sentimentos a fim de modificá-los com base nas lições que Jesus nos deixou. Sim, é preciso pensar, é preciso refletir, é preciso raciocinar pois as lições do Cristo, de acordo com o Espiritismo, precisam de aplicação. Sem reflexão profunda, ficamos na superfície. Sem aplicação, continuamos estagnados. 

Pela perda do caráter de estudo, essa reunião é apresentada quase como uma prática exterior de culto, no qual entende-se que os bons espíritos virão tais como faxineiros da caridade fazer uma “limpeza”. Do que adianta espantar as moscas e deixar a ferida aberta? Pela prática exterior de culto pode-se acabar atribuindo ao livro propriedades especiais, e ao invés de descobrirmos o que em nós precisa ser melhorado, nos sentimos satisfeitos porque a leitura da semana já foi feita. Assim, então nos desobrigamos do que importa porque cumprimos tabela. 

O cumprimento de tabela inclusive leva em conta a assistência dada aos Espíritos, então faz-se a reunião não muito com o propósito de estudar o livro e estudar a si mesmo, mas com o pensamento de “socorro” aos Espíritos que precisam de ajuda, de maneira que há todo um cuidado para não se faltar com a reunião programada, caso contrário os Espíritos ficarão sem ajuda, permanecerão no ambiente e toda uma outra série de elementos que distanciam essa reunião do seu caráter de estudo. 

Nosso círculo de convivência espiritual depende muito mais de quem nós somos, não adianta ler as páginas do Evangelho segundo o Espiritismo sobre a indulgência e depois correr para os facebooks e whatsapps da vida para sentar a língua virtual no comportamento dos outros. Nossa hipocrisia é uma gostosa diversão para os Espíritos levianos que não se admiram com a nossa desfaçatez, porque afinal eles nos conhecem, nós é que não nos conhecemos muito bem. Os Espíritos Bons sabem da nossa sinceridade, nosso anjo da guarda está ligado a nós, não só na hora da reunião ou por causa dela. Essa vinculação se dá por lei. 

Nosso círculo de convivência espiritual depende muito mais de quem nós somos, não adianta ler as páginas do Evangelho segundo o Espiritismo e logo em seguida viver de forma contrária ao que se leu. Nossa hipocrisia é uma gostosa diversão para os Espíritos levianos que não se admiram com a nossa desfaçatez, porque afinal eles nos conhecem, nós é que não nos conhecemos muito bem. Os Espíritos Bons sabem da nossa sinceridade, nosso anjo da guarda está ligado a nós, não só na hora da reunião ou por causa dela. Essa vinculação se dá por lei. 

O culto do evangelho no lar ainda conta com a sugestão de abertura do livro no modo randômico, porque então vai abrir na página que você mais precisa no momento. Difícil é abrir numa parte em que a pessoa não precise né. Essa forma de leitura no modo sorteio de páginas diminui a chance do leitor de se deparar com partes importantes do livro como a introdução e os capítulo finais. Ninguém vai dizer que os Espíritos não podem inspirar a abertura do livro, claro que o fazem, mas seria bom aliar essa leitura espontânea a um estudo completo de maneira que partes importantes do livro não corram o risco de ficar de fora. Ou seja, vale a pena dar a essa reunião um caráter de estudo mais do que de culto, uma vez que compreendamos qual sua proposta que não é mística, mas prática. 

O Espírito de São Vicente de Paulo faz um apelo sobre a leitura dos ensinos do Cristo:  Quisera eu que dispensassem mais interesse, mais fé às leituras evangélicas. Desprezam, porém, esse livro, consideram-no repositório de palavras ocas, uma carta fechada; deixam no esquecimento esse código admirável. Lede-lhe as páginas cintilantes do devotamento de Jesus, e meditai-as (2). Essa meditação vai muito além da leitura, essas páginas servem de trampolim para mergulharmos em que nós somos. 

Não é a leitura pela leitura, é a leitura pela reflexão; e a reflexão para a vivência. Essa é força da filosofia espírita. Se a leitura pela leitura resolvesse nossas imperfeições, a humanidade já deveria ser outra pois há dois mil anos “lemos” a bíblia. O Evangelho segundo o Espiritismo, vai além do Evangelho encastelado no Cristianismo, pois leva à aplicação, à prática dos ensinos de Jesus e esta prática, mais do que qualquer outra, leva à perfeição.