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Kardec acreditou que era um missionário! – parte 3 (Minha Resposta ao Morel Felipe Wilkon)

Essa é a terceira parte da análise que faço dos argumentos utilizados Morel Filipe Wilkon em seu canal no vídeo intitulado “Kardec acreditou que era um missionário”. Até aqui já ficou demonstrado a fragilidade dos argumentos utilizados por Morel, sua estratégia argumentativa não resiste a simples leitura das obras que ele cita. Vamos a leitura do que Morel diz em seu vídeo. Morel diz:

Morel – Como é que eu sei que Kardec acreditou que o Espírito de Verdade fosse Jesus(eu já mencionei isso em um vídeo no antigo canal, mas eu vou repetir!) tem uma mensagem nos Livro dos Médiuns – capítulo 31 item 9 e que aparece novamente né no capítulo 6 item 5 do Evangelho segundo o Espiritismo que se chama advento do espírito de verdade.

Morel – no Evangelho segundo o Espiritismo né onde essa mensagem aparace pela segunda vez, essa mensagem aparece assinada pelo Espírito de Verdade, mas no Livro dos Médiuns onde essa mensagem foi publicada pela primeira vez logo abaixo da mensagem tem uma nota de Kardec dizendo que a mensagem foi assinada por Jesus de Nazaré. Um espírito que…um suposto espírito que…ah que deu essa comunicação assinou como Jesus de Nazaré, se identificou como Jesus de Nazaré, mas por cautela, Kardec deixava então sem assinatura e então cada um devia julgar por si, essa é a nota que Kardec deixa. Você vê então que a mensagem foi originalmente assinada por Jesus de Nazaré, mas Allan Kardec achou melhor, depois né…no Evangelho segundo o Espiritismo, achou melhor atribuir essa mensagem ao Espírito de Verdade pois foi assim que ele colocou mais tarde no Evangelho segundo o Espiritismo.

Morel – Como é que é esse negócio? Como é que a mensagem vem com uma assinatura e Kardec atribui a mensagem a outro espírito? Simples, simples…para Kardec, o Espírito de Verdade e Jesus são o mesmo espírito.[2]

[2]  OBSERVAÇÃO: A nota contida no Livro dos Médiuns deveria ser explicativa o bastante, vamos analisá-la já que isso não foi feito no vídeo que acusa Allan Kardec de ser um crédulo abobalhado.

Morel fala isso como se fosse um segredo revelado pela sua inteligência sagaz. Qualquer um que conheça as obras de Allan Kardec pode estabelecer essa relação que Allan Kardec estabelece(e que eu já comentei a respeito na parte 2 dessa série de artigos).

Vejamos o que diz a nota feita por Allan Kardec:

“NOTA. Esta comunicação, obtida por um dos melhores médiuns da Sociedade Espírita de Paris, foi assinada com um nome que o respeito nos não permite reproduzir, senão sob todas as reservas, tão grande seria o insigne favor da sua autenticidade e porque dele se há muitas vezes abusado demais, em comunicações evidentemente apócrifas. Esse nome é o de Jesus de Nazaré.”

Logo se vê que a pergunta “como é que a mensagem vem com uma assinatura e Kardec atribui a outro Espírito?”, feita no vídeo, não se atenta para o fato de não ser apenas uma assinatura, uma assinatura qualquer. O nome Jesus de Nazaré tem todo um peso, a própria nota distingue sua importância, além do fato de ser um nome frequentemente utilizado de forma abusiva pelos que pretendiam obter tamanho favor.

Se Allan Kardec fosse um crédulo sem discernimento não teria por que ter reservas quanto ao nome que assinara essa mensagem. Afinal, foi escrita por um dos melhores médiuns da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, poderia com mais forte razão se valer da exclusividade de que se viria investido pela missão de que supostamente se acreditava delegado.

Continua a nota:

“De modo algum duvidamos de que ele possa manifestar-se; mas, se os Espíritos verdadeiramente superiores não o fazem, senão em circunstâncias excepcionais, a razão nos inibe de acreditar que o Espírito por excelência puro responda ao chamado do primeiro que apareça. Em todo caso, haveria profanação, no se lhe atribuir uma linguagem indigna dele.”

Allan Kardec não nega a possibilidade. Essa mensagem foi recebida em 1860 como consta no título que recebeu no Evangelho segundo o Espiritismo, Advento do Espírito de Verdade(Paris,  1860). Essa nota foi publicada em 1861 pela primeira vez em o Livro dos Médiuns. Aqui já se tinha ciência do Espiritismo prático e dos meios de comunicações dos Espíritos. Allan Kardec alerta que atribuir esse nome a uma mensagem com linguagem indigna seria uma profanação, o que não é o caso pois a mensagem é excelente, mesmo assim Allan Kardec julga prudente não divulgar a assinatura, peremptoriamente.

“Por estas considerações, é que nos temos abstido sempre de publicar o que traga esse nome. E julgamos que ninguém será circunspecto em excesso no tocante a publicações deste gênero, que apenas para o amor-próprio têm autenticidade e cujo menor inconveniente é fornecer armas aos adversários do Espiritismo.”

Não é a primeira vez que Allan Kardec se abstém de divulgar o nome de Jesus na assinatura das comunicações. E justifica: o menor dos inconvenientes é fornecer armas aos adversários do Espiritismo. Atentem para o fato de dizer que publicações com essa assinatura só para o amor-próprio têm autenticidade. Se Kardec tivesse se comportado como afirma Morel em seus vídeos(e eu mostro na parte 2 dessa série que Morel antecipa essa relação entre o Espírito de Verdade e Jesus no ano de 1856), por que Allan Kardec então não fez a troca de forma contrária? Se o objetivo fosse se apresentar, como supõe Morel, como missionário delegado por Jesus, teria sido mais prático substituir o nome do Espírito de Verdade onde quer que ele tenha aparecido antes em suas obras publicadas pelo nome de Jesus.

“Como já dissemos, quanto mais elevados são os Espíritos na hierarquia, com tanto mais desconfiança devem os seus nomes ser acolhidos nos ditados. Fora mister ser dotado de bem grande dose de orgulho, para poder alguém vangloriar-se de ter o privilégio das comunicações por eles dadas e considerar-se digno de com eles confabular, como com os que lhe são iguais.”

Um outro ponto deve ser levado em conta aqui, no Espiritismo nós aprendemos que quanto mais elevados os Espíritos na hierarquia do progresso espiritual maior a afinidade entre os mesmos, de maneira que suas ideias não divergem, não se contradizem entre si já que dotados de infinita harmonia de modo que para a instrução dos homens, uns e outros Espíritos de mesma ordem elevada podem se substituir sem prejuízo de ensino, sem prejuízo de identidade já que não é a identidade o ponto principal das comunicações instrutivas.

Nós aprendemos que a assinatura só merece atenção devido sua importância, somente quando se trata de mensagens particulares, que a identidade deve ser confirmada porque nesses casos é a identidade que importa. Em comunicações instrutivas, de Espíritos de segunda e primeira ordem,  o que importa é o conteúdo, a pureza da ideias, a lógica e racionalidade da comunicação, ou seja, um conteúdo que não esteja sujeito às paixões humanas. Por fim encerra a nota:


“Na comunicação acima apenas uma coisa reconhecemos: é a superioridade incontestável da linguagem e das idéias, deixando que cada um julgue por si mesmo se aquele de quem ela traz o nome não a renegaria.”

Ao deixar em aberto para a apreciação dos Espíritas o cunho da mensagem, Allan Kardec ressalta o seu ensinamento de que o que importa, em casos como esse, é o cunho da mensagem, sendo a assinatura informação acessória. A justificativa que Allan Kardec dá em o Livro dos Médiuns ele também o poderia ter dado numa nota de rodapé em o Evangelho segundo o Espiritismo porque se a sua justificativa era válida em 1861, no Livro dos Médiuns, não perdeu a validade três anos depois em 1864, ano de publicação do Evangelho segundo o Espiritismo.

A substituição das assinaturas parte de alguns pontos importantes:

1º – Desde o seus diálogos iniciais com o Espírito de Verdade em 1856 até o ano de 1864, quando publica o Evangelho segundo o Espiritismo, é possível identificar uma dezenas de mensagens que lhe permitiram adquirir maior segurança quanto ao seu autor devido todas as características notáveis próprias das comunicações feitas pelo Espírito de Verdade. Resta evidente em todas as comunicações uma clareza, uma lógica e estilo peculiares.

2º – Como na nota em o Livro dos Médiuns, Allan Kardec dá aos leitores o direito de julgar a autoria da mensagem, ele também se vê nesse direito. Por que não o teria? Já que a assinatura de Jesus de Nazaré seria altamente inconveniente, por que não atribuí-la ao Espírito de Verdade já que o conteúdo da comunicação em tudo se assemelha ao estilo das comunicações daquele Espírito?

3º – A substituição dessa assinatura nunca foi um segredo pois a partir da publicação de o Evangelho segundo o Espiritismo em 1864, as edições posteriores de o Livro dos Médiuns não sofreram alteração quanto a nota de rodapé. Logo, todos os leitores das obras de Allan Kardec poderiam ter ciência das diferenças das mensagens contidas nos dois livros. Poderiam ter ciência do quanto a mensagem assinada por Jesus tinha em tudo uma semelhança estrutural muito próxima as demais mensagens do Espírito de Verdade, muitas delas já publicadas na Revista Espírita, sendo algumas delas obtidas em reuniões outras que não em Paris, que não com com Allan Kardec presente.

4º – Como responsável pela obra publicada era seu direito adequar as mensagens a conveniência; isso era algo comum em suas publicações e era algo que ensinava para o movimento espírita quando se tratava da publicidade das comunicações, é o que veremos logo mais.

Morel continua sua fala, dizendo o seguinte:

Morel – o pior é que essa mensagem não é uma exceção. Kardec modificava as supostas mensagens dos Espíritos sempre que lhe convinha[3].

[3] OBSERVAÇÃO: Morel tem razão, apesar do seu tom parecer soar como sendo uma constatação inédita, chocante até, a adequação e correção das comunicações é algo que já era do conhecimento dos estudiosos da obra de Allan Kardec. Não são poucas as comunicações que foram publicadas na Revista Espírita que reapareceriam mais tarde com modificações em seus livros.

Novamente, isso nunca foi feito no sentido de ludibriar, ocultar ou desvirtuar o ensinamento espírita pois não se era algo mantido em segredo, as comunicações originais anteriormente publicadas na Revista Espírita não desapareciam nas edições posteriores, os Espíritas de então, como os de hoje em dia, tem a disposição tanto na Revista Espírita quanto nos livros, as comunicações para compará-las. Segue abaixo uma relação de comunicações que foram adequadas à publicidade dos livros, inclusive, uma mensagem do Espírito de Verdade, que no Evangelho segundo o Espiritismo aparece com o título de Os obreiros do senhor.

Relação não exaustiva de mensagens com alterações:

1 – (Revista Espírita 1858 » Agosto » A caridade, por S. Vicente de Paulo | O Evangelho segundo o Espiritismo » Capítulo XIII – Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita » Instruções dos Espíritos » A beneficência item 12)

2 – (Revista Espírita 1862 » Março » Ensinos e dissertações espíritas » Os obreiros do Senhor | O Evangelho segundo o Espiritismo » Capítulo XX – Os trabalhadores da última hora » Instruções dos Espíritos » Os obreiros do Senhor)

3 – (Revista Espírita 1861 » Junho » Dissertações e ensinos espíritas » Muitos chamados e poucos escolhidos | O Evangelho segundo o Espiritismo » Capítulo XX – Os trabalhadores da última hora » Instruções dos Espíritos » Missão dos espíritas)

4 – (Revista Espírita 1860 » Outubro » Dissertações espíritas » A caridade material e a caridade moral | O Evangelho segundo o Espiritismo » Capítulo XIII – Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita » Instruções dos Espíritos » A caridade material e a caridade moral)

Na Revista Espírita de Novembro de 1859, Kardec orienta a respeito das correções e adequações quanto a publicidade das comunicações dadas pelos Espíritos, segue trecho, mas recomendo fortemente que se leia o artigo completo, para melhor entendimento, segue:

“Julgamos ter respondido satisfatoriamente à pergunta do nosso correspondente sobre a conveniência e a oportunidade de certas publicações espíritas. Publicar sem exame, ou sem correção, tudo quanto vem dessa fonte, seria, em nossa opinião, dar prova de pouco discernimento. Esta é, pelo menos, a nossa opinião pessoal, que submetemos à apreciação daqueles que, desinteressados pela questão, podem julgar com imparcialidade, pondo de lado qualquer consideração individual. Como todo mundo, temos o direito de dizer a nossa maneira de pensar sobre a ciência que é objeto de nossos estudos, e de tratá-la à nossa maneira, não pretendendo impor nossas ideias a quem quer que seja, nem apresentá-las como leis. Os que partilham da nossa maneira de ver é porque creem, como nós, estar com a verdade. O futuro mostrará quem está errado e quem tem razão” Revista Espírita 1859 » Novembro » Devemos publicar tudo quanto os Espíritos dizem?

OBSERVAÇÃO: No trecho acima, Allan Kardec mostra a inconveniência de se publicar as comunicações sem exame e sem correção. Sim, quando se trata da publicidade das mensagens Allan Kardec mostra que é preciso corrigi-las, não só quando possuam erros, mas quando também sejam redundantes, principalmente no que diz respeito aos ensinamentos espíritas, é o que encontramos ao lermos o texto de o Livro dos Médiuns no item 230 do Capítulo XX, dissertação de um espírito sobre a influência moral:

“Devem riscar-se, então, sem compaixão, toda palavra, toda frase equívoca e só conservar do ditado o que a lógica possa aceitar, ou o que a Doutrina já ensinou. As comunicações desta natureza só são de temer para os espíritas que trabalham isolados, para os grupos novos, ou pouco esclarecidos, visto que, nas reuniões onde os adeptos estão adiantados e já adquiriram experiência, a gralha perde o seu tempo a se adornar com as penas do pavão: acaba sempre implacavelmente desmascarada”

Obviamente que essa análise depende da capacidade daquele que a faz, como diz no artigo de Novembro de 1859:

Como todo mundo, temos o direito de dizer a nossa maneira de pensar sobre a ciência que é objeto de nossos estudos, e de tratá-la à nossa maneira, não pretendendo impor nossas ideias a quem quer que seja, nem apresentá-las como leis. Os que partilham da nossa maneira de ver é porque creem, como nós, estar com a verdade. O futuro mostrará quem está errado e quem tem razão

Esse trecho demonstra ainda algo ainda curioso para quem está sendo acusado de ser um crédulo fanático que admitiu facilmente ser um delegado de Jesus, essas palavras mostram uma humildade própria de um pesquisador que se sabe no direito de realizar os seus estudos sem a pretensão de impo-los à quem quer que seja. Se se tivesse assumido como preposto de Jesus na terra talvez sua postura fosse mais impositiva, afinal de contas, se Jesus lhe deu uma missão, além de tudo teria a seu favor uma suposta autoridade pessoal. Como no trecho acima e em muitos outros, Allan Kardec nunca impôs seus entendimentos, nunca afirmou nada com base numa suposta autoridade que lhe foi outorgada.

Morel continua sua fala:

Morel – nós vamos ver isso com detalhes ao longo do nosso estudo, mesmo que você acredite que houve realmente comunicações de espíritos, coisa que eu não acredito mais…

OBSERVAÇÃO: Quanto a crença pessoal de Morel é um questão de foro íntimo que não temos o direito de analisar.

Morel – mas você pode acreditar, não dá pra saber nunca se as mensagens dos espíritos ou as respostas dos supostos espíritos se elas são de fato dos espíritos ou não, se elas são originais ou se foram mexidas por Kardec.

OBSERVAÇÃO: Se Morel admite não acreditar nos espíritos, logo que diferença faz pra ele se Kardec mexeu ou não nas comunicações? O que parece ser uma argumentação séria e embasada não passa de um ataque gratuita sobre algo que não lhe faz a menor diferença.

Morel – Aliás nunca ninguém teve acesso as mensagens originais dos supostos espíritos, Kardec nunca divulgou nenhuma mensagem original escrita diretamente pelos supostos espíritos.

ERRO: Como consta no estatuto da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, os médiuns podiam fazer cópias das mensagens recebidas. Morel questiona as mensagens originais, se os médiuns podiam fazer cópias das mensagens por si recebidas certamente nos dias de hoje elas teriam sido enviadas por e-mail depois de escaneadas, infelizmente não era o caso naquela época não é mesmo, Morel?

Além do mais a divulgação das mensagens através da Revista Espírita permitia a constatação por parte de quem eventualmente as houvessem testemunhado seja por parte dos  que as presenciaram nas reuniões onde elas foram recebidas, seja através da identificação das próprias comunicações que os autores enviavam para Allan Kardec.

Trecho do  estatuto da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Art. 20° – Nenhuma comunicação espírita, obtida fora da Sociedade, pode ser lida, antes de submetida, seja ao Presidente, seja à comissão, que podem admitir ou recusar a leitura. Nos arquivos deverá ficar depositada uma cópia de toda comunicação estranha, cuja leitura tenha sido autorizada. Todas as comunicações obtidas durante as sessões pertencem à Sociedade, podendo os médiuns que as tomaram, tirar delas uma cópia.

Aqui encerramos mais um trecho da fala de Morel em seu vídeo, logo mais estaremos com novas análises. Mais importante que demonstrar o erro compreender melhor a verdade.