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Kardec acreditou que era um missionário! – parte 1 (Minha Resposta ao Morel Felipe Wilkon)

Morel Filipe Wilkon criou um canal que se chama Questionando o Espiritismo, recentemente eu tive a oportunidade de ver por completo um dos seus vários vídeos nos quais ele se propõe a questionar o Espiritismo.

Questionar o Espiritismo é válido pois que a Doutrina Espírita se posiciona no conhecimento humano como ciência e como tal está a disposição para ser verificada, estudada mesmo, desde que não haja ideia preconcebida, desde que não haja prevenção por parte de quem questiona, de outra forma não há a busca pela verdade uma vez que já existe uma ideia formada a respeito, questionar o Espiritismo “armado até os dentes” não é questionar, simplesmente, como quem quer aprender. Questionar dessa forma seria o mesmo que atacar. Que seja!

O vídeo que me levou a essas reflexões é intitulado: “Allan Kardec acreditou que era uma missionário”.

Diante das informações expostas pelo autor do vídeo, Morel Filipe Wilkon, eu me vi interessado em verificá-las. Como espírita me senti ofendido pelo que Morel coloca em seu vídeo? Particularmente, eu sei que não é a primeira vez que a doutrina espírita sofre esse tipo de abordagem, pois que Morel, nesse vídeo, se utiliza de ironia, um tanto quanto grosseira, que poderia ser entendida como desrespeitosa para com todos os adeptos do Espiritismo.

Mas a minha motivação se baseia na necessidade de confirmar aquelas informações, admito que num primeiro momento fiquei chocado ao ponto de me perguntar se era aquilo mesmo que podia ser encontrado nas fontes utilizadas por Morel Filipe em seu vídeo, ou seja, fiz o que todos deveriam fazer diante de vídeos assim, vídeos que trazem um conjunto de informações a respeito de um determinado tema, vemos tanta coisa na internet e na maioria das vezes não nos importamos com as informações que ouvimos e às vezes até compartilhamos, nesse caso me dei ao trabalho de questionar o conteúdo do vídeo em busca da verdade pois como Espírita me vi particularmente incomodado com o que foi exposto.

Seriam mesmo todas aquelas informações verdadeiras? Os textos que foram citados, foram citadas por completo, ou somente as partes convenientes para corroborar a narrativa que se pretende construir?

Então, para chegar as respostas para essas perguntas, o que eu fiz? Eu transcrevi para texto tudo o que Morel Filipe fala em seu vídeo, de maneira a analisar seus argumentos parte a parte. E é o resultado desse trabalho que venho colocar a disposição para que todos possam tirar suas próprias conclusões.

Primeira parte

Aqui se inicia a construção da ideia que servirá de base para a conclusão final do vídeo.

Morel – Uma coisa que deve ser imediatamente desmistificada é aquela ideia romântica de que Kardec foi um predestinado, um missionário. Um Espírito superior que reencarnou para receber a terceira revelação. Isso além de ser uma crendice primária é uma noção facilmente desmentida pelos fatos.

Pelo que se vê nessa fala inicial se entende que ao final do vídeo vamos ter a demonstração pelos fatos de que Allan Kardec não era um espírito superior e de que enquanto fundador da doutrina espírita, esta não seria a terceira revelação. Não se demonstra nem uma coisa, nem outra. Ao final do vídeo não é demonstrado pelos fatos que Allan Kardec não foi um homem de bem, pois que de acordo com o Espiritismo um Espírito Superior reencarnado pode ser reconhecido como um Homem de Bem, muito menos que a doutrina espírita não se enquadra nos caracteres da terceira revelação prometida por Jesus à humanidade.

Apesar de dizer que essa é uma noção facilmente demonstrada pelos fatos, o que vamos ver ao longo desse trabalho é que os fatos que Morel menciona são os fatos por ele utilizados para construir sua narrativa, apenas os fatos convenientes para a sua ilação. Os fatos que a contradizem ele não cita, lê ou faz referência. Essa foi a primeira conclusão que cheguei ao consultar os livros por ele citados.

Morel – embora nós não tenhamos informações a respeito da vida de kardec antes do seu envolvimento com o espiritismo e se nós não temos essas informações é justamente pelo fato de kardec não ter sido um homem destacado na sociedade.

Morel afirma que não se tem acesso a muitas informações a respeito da vida de Allan Kardec antes de se tornar espírita, e isso se dá pelo fato de que Allan Kardec não era um homem destacado na sociedade. Pela lógica argumentativa de Morel é possível obter muito mais informações a respeito de todo e qualquer homem com destaque na sociedade ao qual Allan Kardec viveu do que as informações que temos acesso a respeito da vida de Allan Kardec antes de ser espírita. Mas vale perguntar o que é um homem de destaque? Sem saber o que Morel quer dizer com isso, talvez bem poucas pessoas contemporâneas a Allan Kardec possam ser consideradas pessoas de destaque. Quantas personalidades que entraram para a história possuem um registro completo de todos os seus feitos anteriores a obra que lhes consagrou a fama?

Morel – O que nós sabemos através de biografias é suficiente para jogar um balde de água fria no ânimo dos kardecistas mais entusiastas kardec parece ter sido um homem comum, com tentativas profissionais frustradas e com alguns reveses em seus empreendimentos

O que os Kardecistas pensam de Allan Kardec que cai por terra ao lermos suas biografias? Os Kardecistas têm Allan Kardec como alguém com características sobre humanas? Por homem comum, você quer dizer homem de bem? Se sim, qual o problema?

Nós, os Kardecistas, não o tomamos por santo, por semi-deus, por oráculo ou profeta. O que sabemos de sua vida pregressa ao Espiritismo é justamente aquilo que admiramos ao longo de todo o seu trabalho na fundação do Espiritismo.

Não há nada nas biografias de Allan Kardec que contradigam sua obra. Intelectual, com vocação para a pedagogia, às letras, às ciências em geral; ao ensino, em particular. Trabalhador, probo, dedicado, humilde e caridoso. Certo, mas vale perguntar: Rivail era mesmo um intelectual? Pela quantidade de livros publicados, pelos vínculos às diversas academias e associações que pertencia, pela quantidade de idiomas que dominava resta evidente sua capacidade intelectual não deixava nada a desejar.

Sobre as tentativas profissionais frustradas e os reveses, vejamos: é possível ler na biografia que Morel cita, a biografia de Henri Sausse, assim como é possível ler na biografia de Zeus Wantuil, que Allan Kardec manteve por cerca de nove anos um instituto nos moldes do instituto Pestalozzi, o instituto Pestalozzi funcionou por cerca de vinte anos. O instituto de Denizard Rivail funcionou por nove, desde 1826 até 1834. O revés citado por Morel se deu devido o sócio de Rivail que desmantelou as finanças do instituto, levando-o a decretar falência. Na biografia de Henri Sausse consta a informação de que os valores adquiridos com a venda do instituto foram perdidos devido uma aplicação financeira má administrada, Rivail investiu através de um amigo que botou tudo a perder. O que há de tão nefasto nesse período da vida de Rivail? Até aqui não encontramos nada que se constitua uma “balde água fria no ânimo dos kardecistas”.

Por que um homem tem certos talentos necessariamente os terá todos? Por que um intelectual dedicado às letras e às ciências deveria ser um gênio dos negócios? Além do mais como se pode ler nas biografias em ambos os casos a causa das derrocadas financeiras dependeu mais de outros do que do próprio Rivail, mas diante da pindaíba o que aconteceu?

Rivail e sua esposa se viram em situação difícil e então ele passou a trabalhar como contador em três empresas além de trabalhar como tradutor, todavia mesmo em situação financeira difícil mantinha a noite cursos gratuitos, esses cursos foram oferecidos de 1835 a 1840.

Até aqui, o que há que possa diminuir a pessoa de Allan Kardec enquanto Rivail? O fato de ter mantido um instituto de ensino por nove anos e que faliu devido uma má sociedade? Qual o problema nisso? Qual o motivo de desânimo nisso por parte dos kardecistas?

Morel – no capítulo 29 do livro Allan Kardec(uma biografia de Allan Kardec), nós lemos que todas as vezes que se falava em alterar a lei do ensino, ele saia a campo para expor suas ideias, seus planos e projetos. Levado apenas pelo interesse de servir à obra da educacao, nenhum desses projetos de Kardec foi aceito, talvez não tenham sequer sido analisados.

OBSERVAÇÃO: Nesse trecho seria interessante Morel você divulgar o autor da biografia. Assim, a discussão fica mais interessante. Sem referências, o debate fica vazio. No entanto, a respeito dos planos de Rivail a respeito do sistema de ensino, da pedagogia como um todo. Quero recomendar a leitura da obra “Kardec-Educador-Textos-de-Hippolyte-Leon-Denizard-Rivail” nela há detalhes do momento histórico e dos paradigmas do ensino francês. O que nos permite compreender melhor o contexto ao qual o sistema pestalloziano tinha que se posicionar.

https://pt.scribd.com/document/241849502/Kardec-Educador-Textos-de-Hippolyte-Leon-Denizard-Rivail-pdf

Morel – o fato é que quando Kardec tomou conhecimento do fenômeno das mesas falantes ele já não atuava no magistério há muitos anos, sobrevivendo nessa época a custa de outros trabalhos, principalmente como contador.

Aqui há um erro na exposição dos fatos mencionados por Morel, como podemos ler na biografia por ele mesmo citada, a de Henri Sausse, Allan Kardec não se encontrava por volta do ano 1855, quando estabelece os primeiros contatos com os fenômenos espíritas, em situação financeira difícil. Vejamos o que diz a biografia:

“finalmente, em 1849, encontramos o Sr. Rivail professor no Liceu Polimático, regendo as cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física. Em uma obra muito apreciada resume seus cursos, e depois publica: Ditados normais dos exames na Municipalidade e na Sorbona; Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas. Tendo sido essas diversas obras adotadas pela Universidade de França, e vendendo-se abundantemente, pôde o Sr. Rivail conseguir, graças a elas e ao seu assíduo trabalho, uma modesta abastança.”

Aqui encerramos a primeira parte dessa introdução feita no vídeo, essa introdução que serve para construir a narrativa de que Rivail era um homem sem prestígio, com condições financeiras precárias e frustrado profissionalmente.

Quanto ao prestígio me parece que Rivail nunca buscou os holofotes sociais, com família ligada ao direito, o homem buscou sua vocação, o ensino, a pedagogia. O que vamos demonstrar daqui pra frente é que, enquanto Allan Kardec, Rivail nunca se valeu da sua posição para se sobrepor ou obter regalias e privilégios, se o objetivo era o destaque social, nada mais fácil do que manter sua assinatura como Rivail nas obras espíritas a fim de obter a projeção social que lhe faltava. Isso nunca aconteceu, vamos demonstrar adiante.

Quanto às condições financeiras precárias fica claro pela biografia citada por Morel que ao conhecer os fenômenos espíritas Rivail se encontrava financeiramente bem resolvido. Tanto é verdade que pôde empreender a publicação das obras espíritas com investimento próprio. Morel resume a situação de Rivail da seguinte forma:

o fato é que quando Kardec tomou conhecimento do fenômeno das mesas falantes ele já não atuava no magistério há muitos anos, sobrevivendo nessa época a custa de outros trabalhos, principalmente como contador.

1 – ele já não atuava no magistério há muitos anos” – vimos que essa informação não procede.

2 – “sobrevivendo nessa época a custa de outros trabalhos, principalmente como contador” – vimos que Rivail se encontrava com situação financeira confortável pois que atuava como professor apesar do período de trabalho como contador após a falência do seu instituto de ensino e da perda das suas finanças mal investidas. Além do mais quem disse que o trabalho como contador era um trabalho mal remunerado que se permitia apenas sobreviver? Morel dá a entender que nessa época essa profissão tinha um prestígio menor, que seja, seria ela mal remunerada, Rivail mal teria como que viver?

Rivail não estava sobrevivendo, enfrentando enormes dificuldades quando conheceu os fenômenos espíritas como Morel dá a entender.

Isso faz parte da construção da sua narrativa, mais adiante o fato de apresentar Allan Kardec como alguém apagado socialmente, inclusive financeiramente, irá servir para confirmar a ilação de que Rivail buscava no Espiritismo a chance de mudar de vida. Isso, como vimos, não é verdade.

Pelo apresentado até aqui já podemos ter uma ideia de como os fatos narrados por Morel não condizem com a realidade encontrada nas biografias de Allan Kardec, erros semelhantes vamos encontrar ao longo de todo o seu vídeo, e vamos apontá-los aqui todos, um a um. É natural que Morel se valha desse tipo de artifício, quais: narrar fatos incompletos, citar trechos de textos apenas convenientes para a confirmação da sua narrativa, sem contar os anacronismos.

Nos próximos artigos vamos destacar todos os erros cometidos por Morel.