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O Espiritismo em Lisboa

Os relatos sobre o Espiritismo são sempre muito curiosos. Nesse que aparece no jornal Mercantil do Rio de Janeiro, em 1882, é descrito o avanço da popularidade da Doutrina Espírita em Portugal.  Vê-se que os fatos relativos ao Espiritismo era encarados num tom muito espirituoso, pelo menos nessa publicação encontra-se com o título de Recreio.

Apesar do tom com que se trata do assunto, não deixa de ser interessante notar que a popularidade do Espiritismo se dava entre todas as classes da sociedade. Assim como a informação de que as mesas girantes que já tinham se estabelecido em Londres e em Paris só mais tardiamente ganharam terreno em Lisboa.

Vemos acima a reserva com que certos jornais falavam a respeito do Espiritismo, muito embora a ironia de que este seria concorrência daqueles. A cautela para relatar com mais precisão aqueles fenômenos que estavam fazendo parte do dia a dia de todas as pessoas, exigiu a participação de uma jornalista que se empenhou em acompanhar de perto uma sessão espírita. 

No trecho acima lemos algo que Allan Kardec sempre apontou em suas obras: a mudança de postura dos que inicialmente viam no Espiritismo um passatempo e que gradualmente passavam a assumir uma postura mais grave à medida que os assuntos eram desenvolvidos pelas respostas dos Espíritos. No entanto, era comum a sessão desandar em assuntos torpes que modificavam a assistência espiritual e assim passava a contar com respostas frívolas de Espíritos afeitos à leviandade.

A ignorância acerca das leis que regem os fenômenos espíritas certamente levava as pessoas a entender que as mesas era indispensáveis a manifestação dos Espíritos, não é difícil imaginar que com o aumento da procura, o preço da mobília inflacionou e é o que consta no relato. Bem se vê que o caráter dessa reunião é propício para as comunicações frívolas.

Nesse outro relato, observamos aquilo que serviu de base ao trabalho de Allan Kardec, a compilação das informações obtidas através dos Espíritos. Do apanhado de informações coletadas pela coordenação de Kardec obteve-se a estruturação do Espiritismo como doutrina. Quando o Espírito explica que assim como um fio passado pela fieira se torna mais fino, o espírito ao reencarnar se purifica, ele está, do seu ponto de vista, não ensinando um princípio do Espiritismo como um anjo revelador da verdade, ele está fornecendo uma explicação com base na sua história e na sua trajetória. Essa informação confrontada com outras no mesmo sentido, permitiram que um estudioso dessas comunicações pudesse a partir daí compreender um dos aspectos da realidade do mundo dos Espíritos: o progresso gradual dos Espíritos ao longo do tempo e das experiências vividas. 

Quando Kardec publica seus livros, resultado desses estudos, os que já faziam suas reuniões íntimas, suas sessões particulares, ao lerem aquelas obras, encontravam nelas a confirmação do que vinham obtendo por conta própria na lida com os Espíritos. Se nas obras de Allan Kardec não fosse encontrada uma correspondência com os demais estudos que eram realizados alhures, certamente Kardec teria caído no descrédito porque estaria apresentando como Doutrina algo diferente daquilo que se podia depreender das comunicações dos Espíritos.

Não à toa, o reconhecimento que se dava a figura de Allan Kardec, como coloca o jornal, segundo parece, o autor é o que trata com mais proficiência de tudo que se relaciona com o Espiritismo. A posição de Kardec nunca partiu de uma decisão formal, ele não foi o primeiro a observar aqueles fenômenos, mas com certeza foi o primeiro a compreendê-los dentro de uma outra ordem de ideias. Se outros tivessem feito o que ele fez e como ele fez teriam tido também a aceitação dos demais estudiosos do assunto, mas não foi assim que aconteceu. A obra de Kardec ganhou relevância pela sua qualidade e porque os que se interessavam pelo assunto encontraram naquele material um estudo completo, com método, lógica e acima de tudo bom-senso. 

O jornal não deixa de dar sua alfinetada por imaginar os lucros a partir das vendas em razão da procura crescente que as obras de Allan Kardec recebiam. Claro que essa especulação seria natural devido o desconhecimento dos objetivos da Doutrina Espírita e do papel de Allan Kardec como autor da obra, mas com o tempo as zombarias deixaram de ter sentido diante da seriedade com o que o Espiritismo era desenvolvido pelos verdadeiros Espíritas, não que Allan Kardec se esquivasse de certas acusações sobre o seu enriquecimento às custas da Doutrina, basta lermos o que ele coloca nesse artigo de Junho de 1862, os milhões do Sr. Allan Kardec.