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Evocação História Instruções de Kardec

Orientações para realizar uma sessão espírita

No final do século XIX, a Capital do Império era agitada por um movimento espírita efervescente. Encontrei num periódico da época(Revista Spírita da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade) um artigo publicado em Janeiro de 1882 com orientações para a prática de uma sessão espírita, mas antes de tratarmos dele vamos a um breve resumo do resumo que podemos encontrar na Wikipedia sobre a História do Espiritismo no Brasil. 

Sociedade de Estudos Espiríticos – Grupo Confúcio, consta como sendo a primeira instituição espírita fundada no Rio de Janeiro, em 2 de Agosto de 1873. Nesse grupo é que surge a revelação de que O Anjo Ismael seria o Guia Espiritual do Brasil.

Apesar de ativo, esse grupo não durou muito e em 1876, ele é dissolvido. No seu lugar surge a Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade. Nesse grupo a obra de J.B. Rounstaing era considerada Espiritismo, portanto, fazia parte do programa de estudos. Apesar de na Revista Espírita, Kardec ter feito algumas considerações sobre Os Quatro Evangelhos. Certamente o pessoal da Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade não deve ter “lido” o que J.B. Roustaing escreveu no prefácio de uma nova edição dos Quatro Evangelhos, ele levou muito a mal a crítica que Kardec fez.

O pessoal da Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade também “não leu” o Kardec escreveu em A Gênese(1896) sobre o corpo fluídico de Jesus(Tese central da obra de J.B. Rounstaing).

A Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade rachou.  Claro! Alguém lá estava estudando a obra de Kardec a sério e já tinha lido tanto o que Kardec escreveu na Revista Espírita como já tinha lido A Gênese; como se admitir uma doutrina notoriamente sem fundamento?! Se J.B. Roustaing se revoltou com Kardec é claro que os adeptos de J.B. Roustaing também se revoltariam.

Por essas e outras, surge a ala dos místicos dentro do Espiritismo no Brasil, não preciso nem dizer que aversão à crítica e ao debate é algo totalmente incompatível com a ciência, com a filosofia e com o Espiritismo. Seitas e religiões é que não topam debate ou questionamento dos seus princípios.

Desse racha da Sociedade de Estudos Espírita Deus, Cristo e Caridade, nasceu em 1877 a Congregação Espírita Anjo Ismael e em 1878 o Grupo Espírita Caridade. Ambos não duraram muito. Eles deixaram de existir em 1879.

Em 3 de Outubro de 1879, nasce a Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade. Esse grupo retoma o Espiritismo mais de acordo com Allan Kardec. Lá na Wikipedia conforme as fontes utilizadas, a Sociedade Acadêmica é vista como “cientificista”. Aí é que mora o perigo! Cravam o estigma de cientificista em quem se baseia em Kardec.

Vou me ater ao que é orientado nesse artigo da Revista Espírita da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade. Se lermos o que é descrito como orientação para uma sessão espírita, vamos encontrar muitos pontos de contato com Kardec. Nesse artigo vamos encontrar alguns elementos introduzidos pela nossa criatividade brasileira, um exemplo disso é a figura do Doutrinador, se bem que dá forma que é descrito o Doutrinador daquela época não tem nada a ver com o que se chama Doutrinador nos dias de hoje.

[a]  Nessa primeira parte da orientação é descrito o que cada função desempenha na sessão. O Presidente, organiza, abre e encerra a sessão, dá a palavra aos presentes; os trabalhos baseavam-se numa comissão diretora. O Historiador está mais para um secretário, mas notem a preocupação com os registros para que se mantenha viva a história do Espiritismo no Brasil. Lemos sobre a figura do Doutrinador: tudo dá a entender que este seria o orador, o palestrante, aquele que resolvia as dúvidas da assembleia, fazia a leitura dos textos etc. Os dois fiscais estavam lá pra coletar as presenças e ajudar na organização, vejam que curioso! Fazia parte da organização, eles colocarem sentados um Espírita convicto entre duas pessoas mais leigas. Talvez a estratégia fosse viabilizar o debate durante os trabalhos. Vejam também na nota de número 1, a dica para que outros grupos realizassem sessões em dias e horários diferentes a fim que os grupos pudessem visitar as sessões uns dos outros.

[b] Esses espíritas realmente tinham feito o dever de casa: essa prece é a prece que está contida no Evangelho Segundo o Espiritismo, preces para as reuniões espíritas. Ela não só não é utilizada pelos Espíritas de hoje em dia como é bem provável que muitos espíritas nem a conheçam.[b’]

Interessante como antes da prece o Presidente faz explicações relativas à postura que se deve manter na reunião, o caráter da prece e o inconveniente das manifestações exteriores de fé relativas as crenças particulares de cada um. Vejam que o Presidente se refere à prece como evocação! Isso é muito Allan Kardec.

[c] Tudo indica que aqui entra em ação o Doutrinador: fazia a dissertação e leitura de algum conteúdo doutrinário ou de algum fato relatado em publicações espíritas. Em seguida, o Presidente abria a palavra aos presentes para narrarem algum fato Espíritico ou tirar alguma dúvida ou FAZER OBJEÇÕES à Doutrina Espírita. O Presidente da sessão não só abria espaço para que os visitantes QUESTIONASSEM o Espiritismo como recomendava que isso fosse feito com toda a FRANQUEZA. Isso só é possível em um ambiente condizente com os princípios Espíritas no qual os presentes estão em busca da verdade. Uma postura mística não dá margem para questionamento. A verdade para as religiões já está pronta.

Caso surgisse alguma objeção, a resposta do Doutrinador seria agendada para a próxima sessão. Se fosse algo simples de esclarecer podia ser respondido no mesmo momento. Após isso, passava-se para as respostas às questões levantadas na sessão anterior.[c’]

[d] Terminada esse parte de estudo o Presidente convidava os presentes para experimentarem a psicografia. A parte experimental na dinâmica das sessões era algo comum nos relatos contidos na Revista Espírita de Allan Kardec. Os Espíritas da Sociedade Acadêmica estavam se baseando nesses relatos. [d’]

[e] O Presidente continua com as explicações necessárias para o desenvolvimento da psicografia, as orientações que ele dá estão contidas em O Livro dos Médiuns, Desenvolvimento da Mediunidade. Inclusive é transcrita a prece sugerida no item 203.

O Presidente diz claramente que os aspirantes à psicografia devem manter o desejo de ter uma comunicação de algum parente ou amigo falecido. Feita a evocação geral, em seguida cada um deve pensar somente no Espírito que deseja que se comunique. Isso nos dias de hoje seria causa de escândalo entre os espíritas!, mas não deveria pois que está alinhado com o que Kardec ensina. Afinal, os Espíritas da Sociedade Acadêmica estavam aprendendo essas coisas nas obras de Allan Kardec. [e’]

[f] O Presidente pede que os Espíritas se mantenham, durante a experimentação, em assistência pelo pensamento e pela prece. A experiência durava cinco minutos. [f’]

[g] Uma vez expirado o tempo estipulado para o treinamento da psicografia, o Doutrinador tinha a palavra para explicar algum ocorrido durante a experiência. Concluídas as explicações o Presidente suspendia a sessão por cinco minutos, provavelmente para que os aspirantes à mediunidade pudessem se refazer, ir ao banheiro etc. Logo em seguida, o Doutrinador retomava a palavra com a leitura do Evangelho segundo o Espiritismo, essas explanações duravam dez minutos. Assim, a sessão passava para outra fase. [g’]

[h] O Presidente da sessão convidada os médiuns para virem à mesa, o Presidente sentava-se a frente, o objetivo naquele momento era contar com a comunicação(espontânea ou evocada) de um Espírito Protetor. O que se esperava é que a comunicação discorresse sobre os acontecimentos da sessão. Em seguida a essa comunicação, os presentes eram convidados a emitirem suas observações não só em relação à comunicação obtida, como também em relação à sessão como um todo. As impressões seriam utilizadas para estudos nas próximas sessões. [h’]

[j] Para concluir era feita a parte final da prece para as reuniões espíritas. [j’]

[k]Eram feitos agradecimentos a todos os presentes e aos Bons Espíritos. Os Anjos da Guarda são mencionados durante toda a reunião e no encerramento.[k]

Aos Anjos da Guarda era feito o pedido para que a máxima do Cristo, amai-vos uns aos outros, fosse gravada no coração dos presentes. Isso é totalmente de acordo com os ensinamentos de Allan Kardec. O sentimento de religiosidade, de respeito, de humildade perante Deus; a necessidade de todos trabalharem para pôr em prática o ensino moral do Espiritismo. Tudo Isso, nos remete à essência da doutrina.

Esse artigo da Revista Espírita da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade cumpre seu papel a serviço da história do Espiritismo no Brasil. Ele nos mostra que a cultura espírita não era distante do pensamento de Allan Kardec como vemos na atualidade. Infelizmente, o Espiritismo nos dias de hoje, nos mostra que o que prevaleceu de prática espírita tendeu muito mais para misticismo, ou melhor dizendo, para outras coisas que não o Espiritismo, que não o que está em Allan Kardec.